"Poucas semanas antes do grande susto, lembro.me de te ter enviado um e-mail em que te confidenciava que a vontade indomita que em mim conheceras já não existia; a solidão imposta pelo meu trabalho e a cumulação de desgostos amorosos tinham.me acalmado. Deveria ter usado outro verbo, bem mais adequado: aplacado. Sim, as desilusões do coração deixaram.me sem animo, colada à parede, incapaz de me mover, tolhida pelo vazio e por uma sensação de impotencia avassaladora, como se a onda se tivesse virado contra mim. Há muito que ela se começara a virar, a partir do dia em que lançaste a primeira pedra para erguer um muro à tua volta, cada vez mais alto, mais opaco e mais espesso, motivado pelo medo absurdo que tantas vezes te domina.
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Nunca nada é o que parece, e, portanto, este homem, que eu idealizei numa tentativa gauche de te esquecer e que fez tudo para se tornar um ideal aos meus olhos, veio afinal a revelar-se um fraco, quem sabe ainda mais fraco do que tu, pelo menos, tens a humildade de assumir as tuas fraquezas, e ele nem isso, coitado. Se não crer em si mesmo é um sinal de fraqueza, de si nunca duvidar é outro, e ainda mais ridiculo.
Ás vezes não entendia tanta grandeza. Estou mais habituada a dar do que a receber. No entanto, talvez seja mesmo verdade quando se diz que o Universo é um lugar justo e que quem é generoso a dar, recebe sempre em dobro. O amor dele por mim comovia.me todos os dias, embora com o tempo começasse a enjoar.
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Vá lá, agora faz.me a pergunta que desde a primeira página tens vontade. Queres saber se o amei e se esse amor por ele teve a mesma dimensão que o amor que ele teve por mim.
A resposta é facil: amei.o, mas não da mesma maneira.
Amei.o com mais medo e mais dúvidas.
E sempre que nos separávamos era permanentemente assaltada pela ideia de desistir da relação, por ser tudo árido. É estranho, não é? Sempre gostei de coisas complicadas. Ouviste.me dizer muitas vezes que a minha vida só é facil quando tenho objectivos dificeis.
Até isso mudou em mim. Depois do susto, passei a ter mais amor por tudo o que flui naturalmente, a paixão por tarefas herculeas e objectivos homericos diluira-se.
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Apaixonamo.nos por aquilo que nao conhecemmos e amamos aquilo que conhecemos. Eu amei.te na medida em que te conheci, provavelmente melhor do que ninguém - isso nunca te cansaste de repetir -, enquanto tu apenas te apaixonas-te por mim.
Acredito agora que na verdade nunca me conheces.te.
Já eu, que te conheço demasiado bem, amei.te por tudo o que me fizes.te sentir, por ser quem era e como era quando estavamos juntos: feliz, um pouco frágil, sonhadora, dócil como nunca fui com qualquer outro homem. "
{O Dia Em Que Te Esqueci- Margarida Rebelo Pinto}
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